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A Terapia Da Artemísia

MIGUEL BOYAYANInício do processo de purificação da artemisininaMIGUEL BOYAYAN

Febre alta e calafrios são os sintomas mais marcantes da malária, doença causada por um organismo de apenas uma célula, os protozoários chamados Plasmodium ou plasmódio, e transmitida ao homem pela picada de mosquitos do gênero Anopheles. A Amazônia brasileira concentra a quase totalidade dos casos na América Latina, com registro médio de cerca de 450 mil por ano. O quadro previsto para este ano não é muito alentador. Estima-se que o número chegue a mais de 600 mil casos, com cerca de 200 mil novos no Estado do Amazonas, metade dos quais apenas em Manaus.

Como não existem vacinas para combater a doença, um dos tratamentos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é feito com medicamentos derivados da artemisinina, o princípio ativo extraído da artemísia (Artemisia annua), um arbusto que ocorre naturalmente na China e no Vietnã, onde é usado há muitos séculos pela população, em forma de chá, para tratamento da febre da malária.

Embora a doença seja endêmica no Brasil, só agora, com os resultados de pesquisa realizada pelo Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um medicamento feito a partir das folhas da artemísia será totalmente produzido no país pela empresa Labogen, de Indaiatuba, no interior de São Paulo. Em 2006, a planta produzida no Brasil será processada e transformada em antimalárico. Atualmente a matéria-prima para elaboração dos remédios usados para tratamento da malária é importada da China e do Vietnã. "O grande problema é que o material importado apresenta variações grandes no teor de pureza, resultando num produto sem padronização", diz a pesquisadora Mary Ann Foglio, coordenadora da pesquisa na universidade. "Sem contar que é importante o país ser auto-suficiente na produção de um medicamento tão necessário."

O estudo da artemísia no centro de pesquisas da Unicamp teve início em 1988, quando foi estabelecido um intercâmbio entre o CPQBA e o governo chinês. Em uma pesquisa científica realizada na China na década de 1970, a planta mostrou ter atividade antimalárica. Na época, foram avaliadas várias das espécies do gênero artemísia, para ver qual delas combatia a febre da malária. Nesse estudo foi constatado que apenas duas apresentavam atividade de fato. E uma delas era a Artemisia annua, que lá cresce com facilidade e tem altos teores de artemisinina, que chegam a 1,2% do peso da planta seca. Com base nesses resultados, os pesquisadores brasileiros decidiram trazer a planta para o Brasil. Para isso, conseguiram sementes da China, do Vietnã e de outras regiões da Ásia.

Impasse resolvidoO primeiro passo consistia em adaptar a artemísia às condições climáticas do Sudeste brasileiro, já que é uma planta originária de clima temperado, com inverno rigoroso e verão com bastante luminosidade, mas não tão quente quanto o dessa região. "Quando se tentou cultivar essa espécie no Brasil, a planta crescia rapidamente, florescia mais depressa ainda, mas não produzia quase nada da substância de interesse", conta Mary Ann. Os resultados iniciais foram decepcionantes. As variedades com alto teor de artemisinina tinham pouca biomassa, enquanto aquelas com muita biomassa tinham baixo teor dessa substância.

Esse impasse só foi resolvido quando foram desenvolvidos híbridos capazes de resistir ao clima do Sudeste, resultantes de estudos feitos pela equipe do pesquisador Pedro Magalhães, coordenador da Divisão de Agrotecnologia do CPBQA. Com isso o florescimento da planta foi retardado para que houvesse tempo de a substância química de interesse ficar acumulada nas folhas. Esses híbridos chegam hoje a aproximadamente 1% de artemisinina, resultados bem próximos dos obtidos das plantas chinesas. "Isso foi demorado, mas avançamos muito", diz Mary Ann.

Quando o trabalho foi iniciado, as primeiras espécies apresentavam teores inferiores a 0,01%. Era um índice extremamente baixo, difícil de conseguir isolar e inviável economicamente. Ao mesmo tempo que foi feito o trabalho de aclimatação da planta, os pesquisadores começaram a estudar o processo de extração da artemisinina e a desenvolver metodologias analíticas eficientes. Só assim é possível monitorar a quantidade da substância na planta e no extrato e quanto está se perdendo no processo.

Em 1998, dez anos depois de iniciados os estudos com a artemísia, a Unicamp entrou com pedido de patente para o processo de obtenção dos extratos de isolamento da artemisinina pura. "Na patente nós garantimos 98% de pureza da substância", diz Mary Ann.

Cumprida essa etapa com sucesso, os pesquisadores começaram a observar que era descartada uma grande quantidade de resíduo produzido durante o processo de isolamento da substância de interesse. Para extrair a artemisinina das folhas secas utiliza-se um solvente orgânico. O resultado inicial é um caldo grosso, parecido com um chá verde extremamente concentrado. Mas à medida que o processo de purificação avança obtém-se um cristal branco, que é a forma pura da artemisinina.

Como a folha tem apenas 1% dessa substância, isso significa que os outros 99% são compostos de várias substâncias, como clorofilas, graxas e outros componentes que são eliminados. "Achamos interessante estudar esses componentes descartados para avaliar um possível interesse farmacológico nesse material", diz Mary Ann. "E realmente constatamos que ele é muito rico em substâncias que demonstraram atividade farmacológica." Essas substâncias já foram testadas em ratos para tratar lesões decorrentes de úlceras gástricas induzidas, com resultados positivos. Além disso, verificou-se em modelos in vitro que elas têm atividade antiproliferativa em oito linhagens de células tumorais humanas. São estudos que ainda estão em andamento.

Depois de conseguir definir os parâmetros de cultivo da planta e de extração e isolamento da artemisinina, era necessário ter uma metodologia analítica validada para garantir a qualidade do produto que será colocado no mercado. Essa inclusive é uma das exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para isso, os pesquisadores desenvolveram uma metodologia analítica validada para a cromatografia líquida de alta eficiência. Por essa técnica, uma luz ultravioleta permite visualizar separadamente todas as substâncias químicas dos extratos de plantas. Como a molécula da artemisinina não é visível no ultravioleta, foi utilizado um detector universal de índice de refração, que gera um sinal elétrico intenso para determinada quantidade de amostra. A pesquisa que resultou na validação da metodologia, que garante a reprodutibilidade, exatidão e precisão da análise, teve início em 2002 e foi financiada pela FAPESP.

Com todas as etapas cumpridas, faltava viabilizar a produção em escala industrial. E isso tornou-se possível com a assinatura do contrato de transferência de tecnologia para a Labogen, em junho deste ano, feito pela Agência de Inovação (Inova) da Unicamp. "Estamos repassando para a empresa toda a tecnologia já estabelecida de obtenção de sementes, extração do material vegetal e processos de produção, com o apoio do controle de qualidade que desenvolvemos", diz Mary Ann. "Acreditamos que até o final de 2006 já teremos feito todos os testes para o lançamento", diz José Machado de Campos Neto, diretor executivo da empresa. "Na primeira fase produziremos apenas o princípio ativo, que será vendido para os laboratórios farmacêuticos que já têm registro do medicamento." Um desses laboratórios que já produzem o antimalárico com a matéria-prima importada é a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro.

Em setembro, mudas da planta, de cerca de 12 centímetros, foram levadas para a fazenda da empresa. No final de janeiro, elas terão atingido 2 metros e estarão prontas para serem processadas. Na primeira fase serão cerca de 100 quilos de planta seca, na segunda, 1,5 tonelada e no terceiro ano serão processadas 3 toneladas de planta. "Apenas 1 quilo da substância pura é suficiente para tratar as necessidades da malária grave no Brasil", diz Mary Ann. Essa quantidade poderá ser obtida já na primeira fase do projeto, com o processamento dos 100 quilos de planta seca.

O excedente que será produzido pela empresa nas fases subseqüentes poderá ser exportado para  países  como a África, que registra mais de 100 milhões de casos por ano, a maioria provocada pelo protozoário Plasmodium falciparum, a forma mais grave da doença. Para essa forma, a OMS recomenda que o tratamento seja feito sempre com artemisinina associada a outros medicamentos, como a mefloquina. "Essa associação é uma orientação recente que tem um apelo muito grande", diz o médico infectologista Marcos Boulos, professor de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Existem mais de cem plasmódios, mas no homem só quatro espécies produzem a doença. Além do falciparum, o vivax, o malariae e o ovale. Os protozoários são transmitidos de uma pessoa para outra pela picada de mosquitos Anopheles. No Brasil, a malária é causada por duas espécies de plasmódios, pelo vivax, que é a forma branda, e pelo falciparum, a grave. O chá utilizado há séculos nos países do Sudeste Asiático para tratar a febre da malária só tem efeito para a forma branda da doença, que em alguns casos, mesmo sem tratamento, regride naturalmente. Para as formas graves, pode inclusive criar resistência para o protozoário, como já aconteceu com derivados do quinino, também extraído originariamente da casca da árvore quina (Cinchona pubescens) e muito usado desde 1908 no Brasil.

Menos poluente Como a artemisinina não é solúvel em água nem em óleo, ela precisa passar por transformação química para que seja solúvel em um solvente que possa ser administrado ao homem. Dois derivados da artemisinina, o arteméter e o artesunato de sódio, solúveis em óleos e água, representam alternativas eficazes no tratamento da doença e permitem a aplicação na forma endovenosa e intramuscular. Coube à pesquisadora Vera Rehder, da Divisão de Química Orgânica e Farmacêutica da CPQBA, melhorar esse processo de semi-síntese. "A síntese total da artemisinina, que é a produção total do princípio ativo em laboratório, é possível, mas é muito mais viável economicamente obter o extrato a partir da folha da planta e transformá-lo em duas reações químicas", diz Mary Ann. O processo é mais rápido, barato e menos poluente.

O medicamento utilizado atualmente no Brasil para o tipo grave da doença é aplicado na forma injetável, em três doses. Hoje outras formas de administração, como a oral, estão sendo pesquisadas pelo Instituto de Tecnologia em Fármacos – Far-Manguinhos, laboratório vinculado à Fiocruz, que trabalha com a matéria-prima importada para produzir o antimalárico. O grande obstáculo até agora para esse tipo de formulação é que a artemisinina é dissolvida no estômago. Novas formulações apontam para sua dissolução no intestino, onde ganha a circulação sangüínea de forma mais eficaz. Vencida essa barreira, a região amazônica poderá se beneficiar da matéria-prima produzida aqui mesmo, em todas as etapas.

Presença antiga no planeta

A malária é uma doença parasitária que faz parte da história da humanidade. Dados obtidos em fósseis indicam que a doença originou-se na África e que o protozoário que a produz está presente na Terra há tanto tempo quanto o próprio homem, ou ainda mais. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a malária é a doença tropical e parasitária responsável pelo segundo maior número de óbitos no mundo, perdendo apenas para a Aids. Estima-se que mais de 1 milhão de crianças morre por ano no continente africano com a doença ou por complicações decorrentes, como anemia e insuficiência renal. Cerca de 40% da população mundial, o que corresponde a aproximadamente 2,4 bilhões de pessoas, vive em áreas com risco de transmissão da malária, que ocorre em mais de cem países. Uma mesma pessoa pode pegar a doença dezenas de vezes. O mosquito contamina-se ao picar um doente e então passa a transmiti-la. A contaminação também pode ocorrer, mais raramente, pelo uso de seringas infectadas, transfusão de sangue ou da mãe para o bebê, no momento do parto. Após a contaminação, os sintomas aparecem entre nove e 40 dias, dependendo da espécie de plasmódio. No Brasil, a malária é registrada desde 1587. A partir da década de 1870, com o início da exploração da borracha, tornou-se um grande problema de saúde pública. Na década de 1940 ocorriam em torno de 6 milhões de casos por ano no Brasil, reduzidos, por conta de campanhas de combate à doença, para 52 mil casos em 1970. Logo em seguida, com a ocupação da Amazônia, os casos voltaram a aumentar na região.

Os projetos1. Implementação do processo de obtenção do antimalárico a partir da Artemisia annua; Modalidade Chamada pública MCT/MS/Finep – Bioprodutos; Coordenadora Mary Ann Foglio – Unicamp; Investimento R$ 490.000,00 (Finep)2. Aplicação em cromatografia líquida de alta eficiência na análise da variação sazonal das lactonas sesquiterpênicas presentes em Artemisia annua (nº 02/03004-2); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Pesquisa; Coordenadora Mary Ann Foglio – Unicamp; Investimento R$ 117.120,00 e US$ 11.161,00 (FAPESP)

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Autofagia Para A Sobrevivência

reproduçãoJackson Pollock, Number 3, 1949: Tigerreprodução

Somos todos autofágicos – e isso é bom. A todo momento nossas células se digerem e se renovam, desfazendo e reaproveitando proteínas, por meio de um mecanismo biológico chamado autofagia. Vista antes apenas como um processo de morte celular, essa forma de autodestruição seletiva de componentes celulares mostra-se agora como um artifício de sobrevivência dos organismos – só quando não há mais conserto possível é que as células se apagam. Como aparentemente pode ser acelerada ou retardada, a autofagia tornou-se uma estratégia nova para combater doenças e prolongar a vida das células, cujo interior deve guardar tanto movimento quanto os quadros do artista plástico Jackson Pollock.

De imediato, a autofagia está abrindo perspectivas de aplicações novas para velhos medicamentos. Por exemplo, o lítio, usado para tratar pessoas com transtorno bipolar de humor, marcado por saltos repentinos da euforia à depressão profunda, pode ser útil para deter o mal de Alzheimer, uma forma de degeneração dos neurônios que tende a se agravar com o envelhecimento. A cloroquina, além de aplacar a malária, pode ajudar a combater tumores. A rapamicina, antibiótico usado para evitar a rejeição de órgãos transplantados, prolongou a longevidade de um grupo de camundongos, em comparação com outro grupo, que seguiu o curso normal do envelhecimento.

"Estabelecer a segurança de usos e acertar as dosagens de novas aplicações de medicamentos já aprovados é bem mais fácil do que começar tudo do zero", argumenta Soraya Soubhi Smaili, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), à frente de um dos poucos grupos de pesquisa nessa área no país. Cláudia Bincoletto, também professora da Unifesp e pesquisadora da equipe de Soraya, mostrando por que essa estratégia de busca de novos remédios poderia ser conveniente para países de recursos financeiros limitados como o Brasil, acrescenta: "Drogas novas são muito mais caras que as mais antigas".

Também há espaço para a pesquisa de remédios novos. Na Unifesp, Cláudia estuda os efeitos promissores de compostos derivados do elemento químico paládio sobre a autofagia como forma de combater tumores. Ela tem verificado que a possibilidade de regular a autofagia por meio de compostos químicos pode ser um caminho para aumentar a eficiência de compostos antitumorais, diminuindo a dosagem e os efeitos indesejados sobre outras células.

Em um estudo recém-concluído na Universidade de São Paulo (USP), Renato Massaro, orientado por Silvya Maria-Engler, testou um composto extraído de raízes e folhas de um arbusto da Mata Atlântica, a pariparoba, contra uma linhagem de células humanas de tumor de cérebro que cresciam em um meio de cultura apropriado, mantido em laboratório. Os resultados que ele colheu indicaram que esse composto, o 4-nerolidilcatecol ou 4-NC, pode estimular a autofagia nesse tipo de tumor, chamado glioma, e acionar os caminhos bioquímicos que levam não só à reciclagem, mas também à morte celular. Os gliomas se originam das chamadas células glias, muito mais numerosas no cérebro que os neurônios.

Massaro observou que o 4-NC também reduzia a capacidade de as células tumorais invadirem o espaço das células sadias. Era um bom sinal. O problema é que outros grupos de pesquisa já haviam indicado que as células tumorais podem adquirir resistência aos estímulos que induzem à morte celular. Uma das características típicas da célula tumoral é justamente a capacidade de escapar da morte celular geneticamente programada.

Como a apoptose e a autofagia se relacionam, uma estimulando ou freando a outra, Massaro adotou a estratégia inversa: acrescentou um composto que bloqueia a autofagia, o 3-metil-adenina ou 3-MA, à cultura de células tumorais humanas. O 3-MA ampliou o efeito do 4-NC e a morte dos tumores aumentou 30%, provavelmente estimulando outro mecanismo de morte celular, em comparação com o grupo de células que receberam apenas o 4-NC. Na Unifesp, com outros compostos, Cláudia Bincoletto chegou a resultados semelhantes, que indicam que a autofagia não induz à morte, mas à sobrevivência das células – portanto, quando inibida, compostos antitumorais tornam-se mais efetivos. "Essa tem sido uma estratégia defendida por muitos grupos em busca de novos tratamentos contra tumores", comenta Soraya.

"Agora nosso desafio é encontrar a dosagem que elimine apenas as células tumorais, sem lesar as normais", diz Silvya. Segundo ela, alterar os níveis normais de autofagia em células saudáveis poderia gerar desequilíbrios nos processos genéticos ou respostas inflamatórias indesejadas. A equipe da USP havia indicado em 2008 que o 4-NC pode estimular a apoptose de células de tumor de pele ou melanoma mantidas em cultura de células.

Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a equipe de Guido Lenz tem estudado os efeitos do resveratrol, composto natural encontrado na casca de uva, frutas vermelhas e amendoim, sobre a vida e a morte das células. Sob sua orientação, Eduardo Chiela comparou os efeitos de resveratrol e da temozolomida, um dos principais medicamentos usados contra gliomas que, já se sabia, pode induzir à morte por autofagia. O estudo, em fase final de redação, indicou que o ingrediente da casca de uva (principalmente as escuras) estimula os dois mecanismos de morte celular, a autofagia e a apoptose, em culturas de células humanas tumorais.

miguel boyayanAntitumorais à mão: a casca de uva contém resveratrol e quercetinamiguel boyayan

Em um estudo anterior, Lauren Zamin, Guido Lenz e outros pesquisadores da UFRGS avaliaram os efeitos do resveratrol e da quercetina, outro componente da uva e de outras frutas: a casca de uva contém cerca de 50 a 100 microgramas por grama de resveratrol e 40 de quercetina; o vinho tinto, cerca de 7 a 13 de resveratrol e 7,4 de quercetina. Uma combinação das duas substâncias fez células de glioma de ratos entrarem em senescência, processo de envelhecimento irreversível que pode culminar em autofagia e do qual as células normais se valem como forma de evitar que se tornem cancerosas. Sob o efeito dessas duas substâncias, as células tumorais se agigantaram e depois se romperam.

Os testes prosseguem em animais e reforçam o papel duplo do resveratrol, que, de modo inverso, apresenta um efeito antienvelhecimento em células saudáveis. "O resveratrol parece perceber quando uma célula é saudável ou tumoral", observa Lenz. "Não será fácil, mas temos muito interesse em prosseguir a pesquisa, à medida que os resultados em ações sejam positivos, rumo a aplicações em seres humanos." Outros estudos já haviam descrito o resveratrol como um composto capaz de deter outros tipos de tumores, estimular a autofagia e deter o envelhecimento.

"A autofagia representa um enfoque promissor para tratar melanomas (cânceres de pele)", comentou Damià Tormo, pesquisador do Centro Espanhol de Pesquisa sobre Câncer, em Madri, em uma apresentação em janeiro na USP. Ele coordenou a construção de uma estrutura sintética de RNA (ácido ribonucleico) que aciona proteínas específicas e promove autofagia, como descrito em um artigo de 2009 na revista Cancer Cell. Tormo trabalha também em sua empresa nascente, a BiOnco Tech, para levar adiante o desenvolvimento dessa molécula, que se mostrou eficaz para deter o crescimento de tumores de pele, que com frequência se tornam resistentes a medicamentos, nos primeiros experimentos realizados em cultura de células e em camundongos geneticamente modificados.

Mesmo com novas substâncias com efeitos promissores e aparentemente de baixa toxicidade, não será fácil prosseguir. Em primeiro lugar, por causa das dificuldades para desenvolver novos medicamentos no Brasil. Em segundo lugar, por conta do próprio papel – igualmente duplo – da autofagia, que ajuda a sobreviver ou a eliminar tanto as células normais quanto as tumorais. Em vários estudos, observa Guido Kroemer, pesquisador do Instituto Gustaf Rouassy de Paris, mostrou-se que a autofagia pode ter funções diferentes, de acordo com o tipo de célula. Em neurônios, células do coração e outros tipos de células que se reproduzem normalmente, esse mecanismo poderia ajudar na limpeza, eliminando resíduos, além de preparar a célula para a morte por apoptose. Em células que se multiplicam de modo descontrolado – ou seja, com potencial para formar tumores –, a autofagia poderia favorecer a sobrevivência e, portanto, a eventual resistência a compostos ou estímulos externos usados contra elas.

Reconhecida nos anos 1970 por Daniel Klionsky, pesquisador da Universidade de Michigan, Estados Unidos, a autofagia passou quase três décadas vista apenas como uma forma, inicialmente sem muita importância, de a célula se livrar de si mesma. Por essa razão, foi chamada de morte celular programada tipo 2 para diferenciar da apoptose, ou morte tipo 1, muito mais estudada. "Pode-se dizer que a autofagia antecede a morte celular ou que é cruzada à morte celular, mas hoje não é mais correto afirmarmos que a autofagia seja um tipo de morte celular", comenta Soraya.

Os genes que controlam a autofagia começaram a ser identificados em 1997, inicialmente em leveduras, organismos unicelulares, empregados na fabricação de pão, vinho, cerveja e álcool combustível. A partir dos genes, os especialistas conheceram quais são e como interagem as proteínas que levam adiante esse mecanismo flexível de reciclagem de componentes celulares. Além de desmontar o que não está funcionando direito, a autofagia tem outras funções ao longo do desenvolvimento das células, nem sempre levando à morte. É necessária, por exemplo, para as leveduras se reproduzirem e para as larvas de insetos se transformarem em pupas.

"Hoje vemos que a autofagia está mais para sobrevivência e resistência do que morte celular", observa Soraya. "Diante de um estímulo agressor ou de um defeito celular, a célula pode entrar em autofagia como uma tentativa de reparo e só quando não há mais conserto é que entra em processo de morte celular." Vários estudos sugerem que os genes e as proteínas que estimulam a autofagia podem bloquear a apoptose, ou o contrário, a partir de estímulos muito bem definidos, estabelecendo assim uma conversa cruzada entre esses dois fenômenos.

Quando recebem estímulos internos ou externos, as duas dezenas de genes já identificados que controlam a autofagia acionam a produção de proteínas, que aos poucos se encaixam formando membranas que cercam os componentes celulares a serem desmontados antes de causarem problemas. Em seguida, movida por outras proteínas específicas, a membrana se funde com os lisossomos, compartimentos da célula ricos em enzimas que rotineiramente fragmentam proteínas.

Os lisossomos digerem proteínas defeituosas celulares mais lentamente que outro mecanismo de limpeza celular chamado proteossomo. Embora mais lentos, os lisossomos podem eliminar estruturas celulares maiores, quando danificadas ou deficientes, principalmente as mitocôndrias, compartimentos celulares que convertem a energia obtida dos alimentos em moléculas de ATP, fundamentais para a manutenção das células. Na Unifesp, sob orientação de Soraya, Juliana Terashima irrigou células com um composto conhecido pela sigla FCCF, extremamente tóxico para as mitocôndrias. Em resposta, as células entraram em autofagia, que, uma vez acionada, ajudou a remover as mitocôndrias que haviam sido danificadas pelo composto.

Ao participar da linha de desmontagem celular, os lisossomos permitem às células construir novas moléculas mesmo quando não são abastecidas por matéria-prima habitual, vinda dos alimentos. A fusão das membranas com os lisossomos leva à formação de grandes bolsas, chamadas vacúolos autossômicos, que levam adiante a transformação de resíduos em matéria-prima para moléculas novas. Segundo Lenz, aparentemente é o número de mitocôndrias eliminadas por esses vacúolos que marca o momento em que a célula sai da fase da reciclagem para a da destruição completa. O problema é encontrar esse limite. Ou, em termos práticos, descobrir quantas mitocôndrias uma célula precisa perder – uma célula possui em média 200 mitocôndrias – para entrar no caminho irreversível da morte celular.

042-047_autofagia_168O conhecimento sobre essa linha de desmontagem celular, à medida que encorpava, levantou as primeiras possibilidades, hoje mais concretas, de intervir nessa cadeia de reações bioquímicas para prolongar a vida das células sadias e reduzir a das tumorais. Em um estudo publicado em fevereiro de 2008 na revista PNAS, pesquisadores italianos mostraram que o lítio, aplicado durante 15 meses em um grupo de 44 pessoas, poderia adiar a progressão da esclerose lateral amiotrófica, uma doença neurodegenerativa.

Um mês antes uma equipe da Universidade de Cambridge havia mostrado na Human Molecular Genetics as possibilidades de uso do lítio e da rapamicina, combinados, para tratar a doença de Huntington, outra enfermidade com perda contínua da funcionalidade dos neurônios. "A autofagia parece remover os agregados de proteínas malformadas, que atrapalham o funcionamento das células nervosas e estão presentes em doenças neurodegenerativas como a de Huntington, Parkinson e Alzheimer", observa Soraya. Segundo ela, estudos realizados em seu laboratório com células de pacientes com Huntington mostraram que estimular a autofagia pode retardar o aparecimento da morte celular por apoptose.

Uma célula que se limpou por meio da autofagia pode viver mais, de acordo com um estudo realizado nos Estados Unidos e publicado na Nature em julho de 2009. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores cuidaram de cerca de 3 mil ratos idosos, com uma idade equivalente a 60 anos em seres humanos. Administraram rapamicina, composto que estimula a autofagia, a uma parte dos animais e esperaram todos morrer naturalmente, de cinco a sete meses depois. Os camundongos que receberam rapamicina apresentaram um tempo de vida de 28% a 38% maior que os do grupo que não recebeu nada.

Esse experimento impressionou pela grandiosidade, já que o número de animais raramente é tão elevado, mas sua aceitação não foi consensual – e muitos pesquisadores argumentaram que os camundongos podem ter vivido mais por outras razões ou que esse resultado não é o bastante para associar o controle da autofagia ao prolongamento da vida celular. De todo modo, os mecanismos de funcionamento da autofagia tornam-se mais claros. Outros experimentos sugeriram que a simples privação de nutrientes pode estimular esse tipo de limpeza celular. "Recebendo menos glicose", comenta Soraya, "a célula vai produzir menos energia pelas vias metabólicas habituais, mas também produzirá menos resíduos que aceleram o envelhecimento, além de estimular a autofagia, que pode remover mitocôndrias e proteínas malformadas".

Em um artigo publicado em 2006 na Cancer Cell, Melanie Hippert, Patrick O'Toole e Andrew Thorburn, da Universidade de Colorado, em Denver, Estados Unidos, reconhecem que a manipulação da autofagia deve ser útil para deter a evolução de tumores e aumentar a eficiência dos tratamentos contra câncer. O problema é que a autofagia tem um papel duplo: pode inibir ou favorecer o crescimento de tumores, dependendo das circunstâncias. Por essa razão, a autofagia poderia ser estimulada para evitar a formação de tumores em pessoas com risco de câncer, mas reduzida se um tumor já tiver se estabelecido no organismo.

Depois de encontrar um composto adequado, o desafio seguinte será definir a melhor dosagem, para que apenas as células tumorais morram. Chi Dang, da Universidade John Hopkins, Estados Unidos, relatou em janeiro de 2008 na Journal of Clinical Investigation que a cloroquina, um antimalárico, pode ajudar a prevenir a evolução de tumores. Ele advertiu, porém, que o uso prolongado desse composto, que inibe a autofagia e estimula a apoptose, pode ter efeitos colaterais ainda não previstos, já que o conhecimento sobre o equilíbrio celular ainda é rudimentar.

"Não acredito que os novos antitumorais apenas estimulem a autofagia", comenta Lenz. "Seria arriscado. A saída talvez seja algo, como o resveratrol, que possa ter múltiplos alvos e ativar mais de um processo bioquímico que leve à morte dos tumores, inclusive por autofagia." Mesmo que novos compostos não cheguem logo, a capacidade de induzir ou bloquear a morte celular deve tornar-se uma característica dos medicamentos em geral, ajudando a explicar como atuam no organismo – muitos medicamentos antitumorais já em uso, por sinal, podem induzir à autofagia. Pode ajudar também a retomar muitas pesquisas interrompidas. "Fármacos que falharam em testes clínicos talvez precisem ser revisitados", cogita Silvya Stuchi Maria-Engler, da USP, "porque podem se tornar excelentes se usados com outros, capazes de induzir ou inibir a autofagia".

Artigos científicosZAMIN, L.L. Et al. Resveratrol and quercetin cooperate to induce senescence-like growth arrest in C6 rat glioma cells. Cancer Science. V. 100, n. 9, p. 1.655-62. 2009.HIPPERT, M.M. Et al. Autophagy in cancer: good, bad, or both?. Cancer Research. V. 66, n. 19, p. 9.349-51. 2006.HARRISON, D.E. Et al. Rapamycin fed late in life extends lifespan in genetically heterogeneous mice. Nature. V. 460, p. 392-5. 2009.TORMO, D. Et al. Targeted activation of innate immunity for therapeutic induction of autophagy and apoptosis in melanoma cells. Cancer Cell. V. 16, n. 2, p. 103-14. 2009.

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Ministério Da Saúde Angolano Proíbe Comercialização De Antimalárico

"Está proibida a importação, comercialização, distribuição e consumo dos medicamentos antimaláricos, contendo artemeter de 20mg/Lumefantrina 120 mg e do medicamento 'Luther Forte', contendo artemeter de 40mg/Lumefantrina 240 mg, ambos fabricados por uma farmacêutica indiana", indicou o Minsa em comunicado.

A proibição deste lote surge após terem sido detetados problemas na sua dissolução e a inobservância de boas práticas de fabrico.

O ministério informou também que estão proibidos o fabrico, importação, comercialização e reexportação de medicamentos antituberculosos, antirretrovirais e antimaláricos que não constem na Lista Nacional de Medicamentos Essenciais do Ministério da Saúde.

O Minsa exortou a população a que se mantenha atenta e apela às instituições de saúde públicas e privadas que têm em sua posse o lote daqueles medicamentos a notificarem imediatamente a Agência Reguladora de Medicamentos e Tecnologias de Saúde (Armed).

Leia Também: África do Sul quer mRNA para combater do VIH, tuberculose e malária

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